Pular para o conteúdo principal

Transição continente-oceano na margem "magma-poor"

Há algumas décadas, observa-se que o modelo de surgimento abrupto da crosta oceânica em uma quebra continental não explica muitos elementos geológicos observados em margens passivas, principalmente em margens do tipo magma-poorE estima-se que ao menos 50% das margens ao redor do mundo são deste tipo (Manatschal e Müntener, 2009).

Na margem continental do tipo magma-poor, a transição entre a crosta continental e a crosta oceânica clássica (do tipo Penrose) apresenta elementos tectono-sedimentares que não se encaixam em um modelo simples de quebra da litosfera continental. Entre estes elementos, estão o extremo afinamento crustal continental e a exposição do manto litosférico subcontinental no assoalho oceânico. Estes elementos são bem estudados em offshore, como no sistema Iberia-Newfoundland, e também em afloramentos onshore (como nos Alpes; e.g. Manatschal e Müntener, 2009)

No sistema magma-poor, a crosta formada na transição continente-oceano não é continental, mas também não seguirá o tipo 3-layer de Penrose. Ao invés disso, terá uma matriz de rocha mantélica com intrusões/extrusões básicas de quantidade variada, a depender da velocidade de espalhamento do assoalho oceânico em formação (Dick et al., 2006).  

Magmatismo

Como o nome já sugere, o magmatismo sin-rifte no sistema magma-poor não é suntuoso como em uma margem do tipo magma-rich. Ele está presente, mas se apresenta de forma diferenciada, como por exemplo, em intrusões mais discretas e infiltração de fluidos mantélicos. As extrusões são esporádicas na porção mais próxima à margem, e ocorrem em maiores proporções em porções mais distais, à medida que se aproxima da crosta oceânica bem formada. 

Deve-se tomar cuidado ao analisar o magmatismo presente na margem, levando em conta o timing das intrusões/extrusões versus o da abertura continental. Na Margem Ibérica Ocidental, por exemplo, registra-se um magmatismo significativo, mas multifásico e, ainda, posterior ao rifteamento. Com isso, as rochas magmáticas não podem ser usadas para datar a acreção crustal (Manatschal e Müntener, 2009). Neste caso, o magmatismo presente é pós-rifte, e portanto não caracteriza a margem estudada como uma margem vulcânica. 

Região de crosta oceânica

A localização exata de onde se inicia a crosta oceânica em uma margem magma-poor é de difícil determinação, pois sabe-se que a transição entre a porção continental e a crosta oceânica bem estabelecida é gradual, e dependerá de fatores particulares a cada margem estudada. Veja mais aqui.

Em regiões de exumação do manto subcontinental, as regiões que estão mais próximas da formação da crosta oceânica clássica podem exibir uma refertilização do manto em exumação (Picazo et al., 2016), e uma proto-crosta oceânica pouco espessa na região. Nos Alpes, a região de Chenaillet representa bem a estruturação e composição desta proto-crosta oceânica (Manatschal e Müntener, 2009).

A abundância relativa de magma nesta proto-crosta oceânica poderá conferir à região uma assinatura magnética similar à de uma região de crosta oceânica bem estabelecida. Por isso, é preciso estar atento a outros elementos que possam indicar a possível natureza da crosta observada.

Alguns indícios são utilizados para tentar reconhecer a região onde a litosfera oceânica está bem estabelecida, como a presença do padrão conspícuo de anomalias magnéticas marinhas, fortemente linear e com alternância entre anomalias positivas e negativas ("padrão zebrado"), e também a ausência de controle estrutural continental na configuração das anomalias (Alves 2012, Szameitat et al., em prep.). Ainda sim, esta caracterização pode não ser suficiente para determinar qual a natureza da litosfera do trecho em observação. Isto dependerá da região estudada. Por exemplo, a região oceânica no sudoeste da Índia (Bronner et al., 2014). Esta região, apesar de possuir o padrão magnético muito similar ao oceânico e de ser uma cadeia meso-oceânica, é uma região de exumação do manto. Neste caso, o que auxilia muito nesta investigação é a observação da presença de estruturas herdadas do embasamento continental.

Herança do embasamento

A influência de estruturas continentais pretéritas na formação das margens atuais tem sido referida na literatura por expressões como "herança continental", "herança do embasamento" ou "estruturas herdadas". Estas estruturas pretéritas podem ser, por exemplo, falhas profundas, suturas continentais ou antigas zonas de subducção, formadas antes do breakup continental. 

No exemplo da margem ibérica, há trends arqueados na transição continente-oceano que seguem claramente o padrão igualmente arqueado do embasamento em terra (Alves e Heilbron, 2013). Com isso, é possivel sugerir a presença de herança continental nesta área da Europa, e a natureza subcontinental desta litosfera.



========================================

Referencias aqui





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O uso de filtros na análise de dados magnetométricos e gravimétricos

Para uma abordagem mais interpretativa dos dados, é uma prática comum a composição de um conjunto de mapas com diversas informações diferentes, extraídas do dado inicial processado. Para tal, os dados gravimétricos e magnéticos iniciais, respectivamente anomalia de ar-livre e a anomalia de campo total, passam por processos de filtragem. Em geral, primeiramente, a partir dos dados  gravimétricos é criado um mapa de Anomalia Bouguer, e com os dados magnéticos, são compostos os mapas de redução ao polo e amplitude do sinal analítico. Alguns outros filtros, que podem adicionalmente ser aplicados são as derivadas verticais, horizontais e Tilt (TDR) (MILLER e SINGH, 1994; VERDUZCO et al., 2004), o mapa de gradiente horizontal total, o filtro de amplitude do sinal analítico e os filtros passabanda (BLAKELY, 1996, TELFORD et al., 1990). É recomendada a aplicação de diversos filtros como ferramenta auxiliar de interpretação. Contudo, é preciso atentar para o significado do resultado de...

Introdução a uma nova visão de margem passiva.

( Texto modificado de Alves, 2011 ) No estudo de margens passivas, o s m odelos mais recentes apresentam uma complexidade que não era estudada há alguns anos atrás. São modelos multifásicos, que apresentam estruturas geradas pela oceanização, mas não geram subitamente uma crosta oceânica.  As novas descobertas acerca da transição continente-oceano tornam obsoleta aquela imagem de uma transição abrupta e simples da crosta continental para a crosta oceânica (Cannat et al., 2009). Uma grande fonte de informação para a criação dos novos modelos de margens são as  expedições  oriundas do International Ocean  Drilling Program ( DSDP , ODP , IODP ). Elas foram responsáveis por trazer u ma gama de informações provenientes de dados de rocha e geofísicos coletados ao redor do mundo, e embasam  a nova visão sobre as margens continentais. A mudança na visão clássica Em geral, o s modelos de margem continental passiva mais divulgados pelos cursos de geologia  sã...

Onde está a crosta oceânica?

O modelo  clássico  de crosta oceânica, assumido pela maior parte dos geólogos, segue a seção do modelo de Penrose (Figura 1; Anônimo, 1972).   No entanto, sabe-se hoje que há outros tipos de crostas nas bacias oceânicas que não são explicadas por este modelo clássico. O modelo de Penrose agora é um dos modelos possíveis para descrever a crosta formada em uma zona de espalhamento oceânico (  Manatschal e Müntener, 2009) Figura 1 - O modelo clássico de crosta oceânica ( Queiroga et al. 2012). Onde começa a crosta oceânica "clássica", e o que há entre ela e o limite crustal continental Segundo os modelos mais modernos de margens continentais, o início da crosta oceânica típica (modelo de Penrose, Figura 1) pode ou não estar junto da margem continental. Isto porque, a depender da velocidade de espalhamento e da história de formação da litosfera continental, a acreção crustal gerada no centro de espalhamento oceânico pode resultar em diversos tipos de "crost...